Pense só um pouco,
Não há nada de novo.
Você vive insatisfeito
E não confia em ninguém.
E não acredita em nada.
E agora é só cansaço
E falta de vontade.
Mas, faça do bom-senso a nova ordem:
Não deixe a guerra começar.
("Plantas embaixo do aquário", Legião Urbana)
Mas, o que é "Aquarius"?
Sem dúvida, um bom filme que narra um conflito entre dois tipos de elites: uma anacrônica, outra abominável.
Não é, portanto, uma película "social", como se poderia pensar após o (legítimo) protesto em Cannes.
Até porque a crítica à "gentrificação" e à lógica da especulação imobiliária não se pode deixar de fazer também aos governos que os gritos de #foratemer tendem a homenagear.
Os efeitos perversos da doença desenvolvimentista não se amenizam com "Minhas Casas, Minhas Vidas". Estas não freiam os desastres causados pelos desejos triplex de um sítio no campo. Que, detalhe, domina todos nós...
Para não falar das remoções olímpicas, que o vice mau peemedebianamente comeu. E também ficarei em silêncio sobre o eikeano Porto do Açu, os (des)iludidos do Comperj e, por fim, dos rios de grana que ergueram Belo Monte...
Sim, tirou bons contingentes da extrema pobreza, com políticas (de austeridade fiscal e focalização social) que antes rejeitava. Mas sem incremento significativo no que tange à desigualdade social. Mas também, como o próprio messias (só menor que Cristo, segundo o próprio) deste processo já disse, certas elites nunca ganharam tanto dinheiro. Inclusive certas elites partidárias...
O próprio lugar em que vi este interessante filme, o complexo agora denominado "Reserva Cultural", em Niterói (RJ), é um excelente exemplo - já que está é uma cidade governada por um petista que hoje tenta a releição travestido de verde. Isso que é golpe. Como o outro, dentro das regras...
Mas voltemos ao assunto.
Financiado com recursos públicos (R$ 12,3 milhões, declarados em Caixa 1), o antigo não realizado "Centro Petrobras de Cinema" é hoje um espaço de elite "intelectual" entregue à exploração da iniciativa privada. Claro, não é privatização. Apenas, como diria Cauby, "concessão".
Nada contra. Nem a favor. Apenas a constatação de que, para mim, a suposta luta política no Brasil permanece uma luta de elites. Entre uma esquerda anacrônica, porque - de alguma forma - aristocrática, e uma direita abominável, inclusive por ser - de alguma forma - miseramente populista. As duas essencialmente patrimonialistas e clientelistas.
Afinal, segundo eles, no Brasil só se faz política "assim"...
Mas "O som ao redor", do mesmo diretor (Kleber Mendonça Filho), por ter sido pioneiro no tema e cenário, é muito mais filme. Num tempo de filme, inclusive, bem menor e melhor. E, especialmente, por ter personagens mais complexos do que Clara, interpretada pela "niteroiense" Sonia Braga (estamos todos em casa!), protótipo da pequena burguesia que se acha revolucionária só porque é, romanticamente, anti-capitalista.
Enfim, nada dialética. Porque morre na simples antítese e, dessa forma, nunca faz a complexa síntese.
Essa pequena burguesia chauísta, formada (em parte ou em desejo) por concursados menos sofridos que os políticos desonestos (segundo o supracitado messias), que "odeia" a classe média, especialmente a que não vota, psolisticamente às vezes, como ela.
Odeia, inclusive, pelo fato de sê-la integralmente. Em corpo, alma e estética. Sempre presa/liberta no seu "Aquarius". Por isso, talvez, o grito de "fora", que surge sempre quando não está (mais) por dentro...
Marcos Marques
PS: E aqui, o melhor artigo que já li sobre o filme - "As barganhas de Clara".