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6 de dezembro de 2024

(Circuito BBLA/Florestan) Raça e racismo: com quais dilemas raciais lidamos?

 


Recebemos, no último episódio do ciclo de debates “Padrões e Dilemas com Florestan Fernandes”, o professor Matheus Gato de Jesus, do departamento de Sociologia do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade de Campinas – a famosa UNICAMP. 

Matheus Gato, como é mais conhecido, tem se destacado no debate público e acadêmico sobre diversos temas emergentes da nossa contemporaneidade, tais como: racismo, classificações raciais, violência racial, intelectuais negros, literatura e pós-abolição.

Um indício da importância de sua contribuição é o belíssimo livro “O Massacre dos Libertos: Sobre raça e República no Brasil”, publicado pela Editora Perspectiva, que ficou entre os finalistas do Prêmio Jabuti de 2021, na categoria de Ciências Sociais. 

Além da vinculação institucional com a UNICAMP, onde coordena Núcleo de Estudos Carolina Maria de Jesus, nosso convidado de hoje tem colaborado em pesquisas em outras importantes instituições do Brasil e do mundo, tais como: o Núcleo Afro do CEBRAP (o nosso Centro Brasileiro de Análise e Planejamento); e o Centro Hutchins de Estudos Africanos e Afro-Americanos da Universidade de Harvard.

É sob essas credenciais que perguntamos ao professor:

- Matheus, pensando nas categorias de “raça” e “racismo”, a partir da obra seminal de Florestan Fernandes, com quais dilemas raciais nós estamos lidando na atual conjuntura?

Acesse aqui o vídeo completo. 




(Artigo) A pedagogia de Paulo Freire: a propedêutica de uma revolução esvaecida

 


A pedagogia de Paulo Freire: a propedêutica de uma revolução esvaecida[i]

 

Marcos Marques de Oliveira[ii]

 

“Eu preferia vir para o Conselho, porque o problema de ser professor para mim não se coloca”.

(Freire apud Cunha, 2021)

 

Em primeiro lugar, Rafael e Sávio, meu agradecimento pelo convite – que me faz retornar a esta casa, na qual pude me formar, no ano de 2000, obtendo o mesmo título que você (Rafael) agora irá obter: que é o de Mestre em Ciências Políticas pela Universidade Federal Fluminense. E retorno agora para uma tarefa bastante prazerosa – que é de análise do seu trabalho “Paulo Freire e o Estado: crítica de seu pensamento político-pedagógico”. Uma leitura, acima de tudo, enriquecedora já que ilumina aspectos da trajetória e da obra de Freire que costumam ser desconsiderados em estudos mais hagiográficos.

Não que você tenha realizado uma “desconstrução” demolidora da chamada “pedagogia freiriana” – tal como se tornou moda nos últimos anos por alguns grupos que querem mais confundir, por motivos ideológicos, do que compreender[iii]. Não é o seu caso. Muito pelo contrário, creio que o principal mérito da sua dissertação é localizar detidamente, no pensamento político-pedagógico do nosso “Patrono da Educação Brasileira”, suas virtudes e seus limites fulcrais.

Fica evidente, pelo caminho metodológico traçado, com a devida coleta dos dados na vasta obra, já bastante comentada, que a “ética do encontro” freiriana, como prática pedagógica, encontra barreiras estruturais na tibieza de suas perspectivas institucionais para o campo educacional – que se existissem teriam que esperar o anunciar de um novo mundo que, pelo que parece, pode mais não vir. Claro, é mais fácil falar daqui de 2024, quando vivemos uma nova quadra histórica, bem diversa daquela que Freire foi testemunha.

O sociólogo Florestan Fernandes, seu contemporâneo, também aderente à mesma utopia revolucionária (Oliveira, 2010), desta forma desenhava aquele mundo[iv]:


Nós não vivemos em uma época em que a revolução socialista seja alguma coisa meramente hipotética. Não é uma hipótese científica, nem uma probabilidade histórica. A revolução socialista ocorreu em uma porção de nações. Nós podemos dizer que o socialismo, hoje, é a alternativa para o padrão de civilização moderna decorrente do capitalismo. Isso quer dizer que o socialismo oferece um padrão de integração da civilização moderna alternativo. Quer dizer que o socialismo define um padrão para essa civilização. (...) E essas sociedades socialistas hoje constituem, aproximadamente, um terço da humanidade. Portanto, não se trata de uma mera probabilidade de cientistas políticos engenhosos. (Fernandes, 2021, pp. 30-31) 


Hoje, mesmo o esquerdista mais empedernido tem ciência de que as condições “objetivas” são outras. E que grande parte do que foi teorizado àquela época, senão deve ser esquecido, muito menos pode ser simplesmente reproduzido. Porém, o que nos interessa aqui é avaliar se sua hipótese foi devidamente comprovada. Do meu ponto de vista, de um sociólogo emaranhado nas questões educacionais, o caminho discursivo trilhado na dissertação confirma que sim. A despeito do desejo freiriano de “conciliar a luta social por superação da dominação de classe”, através do que você identifica como “humanização do sujeito social”, esbarrou, como já dito, nos limites de suas “ideias institucionais” – que, por suas características mais teleológicas do que pragmáticas, pouco, muito pouco, pôde contribuir para a “educação pública praticada no Brasil”.

Ou, nos termos dos “pioneiros” da Educação Nova, pouco pôde contribuir para a conformação de um robusto sistema de ensino de educação popular que fosse capaz de colaborar para um processo de desenvolvimento social, cultural e econômico adequado às aspirações de uma sociedade mais pujante e menos desigual. Um sistema que deveria ficar a cargo do Estado, como todo e qualquer liberalismo genuíno, com um mínimo de sensibilidade social, previu  desde Adam Smith a John Stuart Mill, passando especialmente pelo incontornável John Dewey. Um sistema que, só assim, poderia dar a devida garantia da universalização das oportunidades de formação e mobilidade social. O que é fundamental, mesmo numa perspectiva elitista, que se quer minimamente democrática, para a mais efetiva alocação dos recursos humanos na cada vez mais intensa, extensa e complexa divisão social do trabalho.

Claro que é preciso considerar, nesse processo, que há algum sentido na desconfiança freiriana nas possibilidades de intervenção do poder público na “mudança social almejada” por ele, especialmente no que tange às condições concretas de edificação de um sistema público de ensino num país capitalista, porém periférico. Afinal, considerando novamente o contexto histórico do desenvolvimento de suas ideias e aspirações, após um período bastante promissor, no nosso interregno democrático que vai de 1945 a 1964, que você aborda especialmente no Capítulo 1, o advento da nossa desventura ditatorial mais recente (a que se iniciou em 1964) foi um choque que não pode ser desconsiderado.

Desta forma, é possível, sim, compreender, como você bem faz, referenciado na obra seminal de Vanilda Paiva (2000), os motivos que colaboraram na transição da “síntese existencial-culturalista” do pensamento freiriano, que se inicia com a filosofia existencialista cristã então em voga, até culminar na adoção das sedutoras categorias marxianas também, à época, bastante promissoras. Essa “deriva marxista” que acaba por redundar num imenso movimento de um “catolicismo progressista” é, inclusive, como sabemos, um fenômeno que ultrapassa a aventura educacional freiriana – sendo o amálgama que vai redundar na configuração de dois dos mais significantes movimentos políticos da nossa contemporaneidade: que é, no campo partidário, o surgimento do Partido dos Trabalhadores; e, no terreno dos movimentos sociais, o advento do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST).

Certo, como você bem nota, que no caso freiriano essa transição não é “absoluta”, já que se realiza como uma “sobreposição” – na qual o “personalismo” cristão acaba por se articular com as “múltiplas determinações de classe” identificadas pelas filosofias, que se querem materialistas, das tradições mais marxistas do que marxianas (Oliveira, 2013). De toda forma, é correta, do meu ponto de vista, que esta síntese irá denotar uma concepção peculiar de “educação popular”, que passa a ser entendida, como você bem descreve, como uma “propedêutica” revolucionária – que toma como secundária a capacidade de todo e qualquer agenciamento do ensino governamental sob o capitalismo (especialmente sobre o capitalismo “periférico”)[v].

Nessa idealização imagética, também como você observa, o papel reservado à política institucional, inclusive no campo educacional, é subsumido ao propósito de utilização de toda e qualquer agência governamental à construção de uma futura sociabilidade – o que termina por desconsiderar, quase sempre, as possibilidades mais concretas de melhorias imediatas.  Por questões de tempo e objetividade, não vou aqui me debruçar sobre as seminais experiências de Paulo Freire em Chile e África, delineadas na dissertação – e que perfazem as tentativas dele em colocar em prática seu modelo pedagógico “participacionista”, de base “culturalista” e de vinculação com o “pobrismo”. Experiências distintas, diga-se, mas que se interligam por serem contextos ricos de tentativas reformistas ou revolucionárias de transmutação da ordem vigente. E que, por fim, acaba por servir de sedimentação para a grande prova que virá com a sua indicação para gerir a Secretaria de Educação da principal cidade do país – a partir da eleição de Luiza Erundina, em 1989, na cidade de São Paulo (SP)[vi].

Estão dadas aí as condições para se observar as perguntas fundamentais elaboradas pelo mestrando. Que papel é reservado à política institucional nas aspirações de transformações sociais no pensamento freireano? Qual é o potencial transformador atribuído à educação oferecida por instituições públicas, sob sua tutela? Perguntas que me gera outra indagação. O que poderia fazer, nesse lugar, alguém que estava “convencido de que não era possível democratizar o ensino sem contornar as instituições da democracia formal”? E para o qual a pedagogia “foi assumida como técnica de subversão da ordem social”? Enfim, para alguém que, nas próprias palavras (Freire apud Cunha, 2021), se achava um “professor numa esquina de rua”?

Não precisamos nos alongar nas descrições das medidas adotadas pelo secretário em seus 29 meses de comando – o que você já faz com muita qualidade na dissertação. Basta considerar, contigo, de que a “futuridade revolucionária” de seu pensamento, à espera da substituição total de “um sistema pelo outro”, trouxe desafios irresolutos para essa experiência de “reconstrução institucional”. Barrada não só porque não havia ocorrido a tão esperada “eventualidade revolucionária” (e sua “sequência inexorável de fenômenos”), mas especialmente pela constatação de que suas medidas “participacionistas” de descentralização do poder decisório das estruturas burocratizadas do Estado acabariam por “congelar-se na força desmedida das lideranças” em que ele tanto apostava.

Enfim, caro Rafael, tenho a percepção que sua dissertação não só agrega valor aos muitos estudos já realizados sobre a obra freiriana, como também inaugura um novo campo interpretativo. Um novo campo interpretativo que, sem desconsiderar as suas importantes contribuições sobre a relevância de relações pedagógicas baseadas numa “ética do encontro”, não deixem de alertar sobre os riscos de um pensamento educacional que, como você aponta, sobrevaloriza a agência educativa em detrimento das instituições estatais. E que ao priorizar a práxis do educador político, superestimando o agente que se quer “revolucionário”, subestima a instituição escolar e, ao fim, não promove uma reflexão substantiva sobre a importância de uma robusta política educacional e institucional mais adequada às nossas necessidades prementes.

Creio que, desta forma, não só teríamos uma melhor adequação do tamanho do legado freireano para a Educação Brasileira, como também evitaríamos a sua abusiva utilização como instrumento discursivo de destruição do que já conseguimos construir para a edificação de um efetivo sistema nacional de ensino. Afinal, não faz sentido nenhum culpar Paulo Freire pelo que ele não fez – tal como se ouve nos gritos histéricos, cínicos e nada ingênuos, de uma direita extrema que, ao fim, só quer por abaixo o que foi construído por outros atores. Refiro-me, claro, ao legado de Anísio Teixeira, que articulando princípios liberais-democráticos com elementos do trabalhismo, este sim, nos legou um mínimo vital institucional que pode nos servir de ponto de partida para uma efetiva reconstrução da educação nacional que em nada se confunde com preceitos desescolarizantes – que, por contradição, acabam por unificar, ainda que involuntariamente, os extremos de esquerda e direita. Tema, como sabemos, do seu trabalho de TCC, já publicado em livro (Rocha, 2024), também muito bem orientado pelo colega Carlos Sávio.

Por fim, vale notar uma pequena observação. Não é verdade que Paulo Freire não deixou algum legado institucional. Claro, não é nenhuma “Escola Parque” de marca anisiana, nem mesmo os “CIEPs” de Darcy Ribeiro e Leonel Brizola. Ele deixou um: o Instituto Capibaribe, que foi fundado em 1955. E que hoje é uma das escolas particulares, “sem fins lucrativos”, mais prestigiosas do seu Recife – emblema singelo, mas significativo de sua perspectiva “desestatizante” da Educação Brasileira[vii].

 Parabéns e obrigado!

 

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