Trilha Sonora

20 de janeiro de 2012

O projeto político-pedagógico da "Terceira Via" (Parte 4)

Educação e empreendedorismo: base de tudo

Por Marcos Marques de Oliveira

A base de tudo, no projeto político-pedagógico da "Terceira Via" giddeniana, é a educação. Diz Giddens (A terceira via e seus críticos. RJ: Record, 2001., p. 78): “A principal força no desenvolvimento de capital humano obviamente deve ser a educação. É o principal investimento público que pode estimular a eficiência econômica e a coesão cívica”. Não uma educação estática, baseada na formação para a vida adulta. Mas educação para adquirir competências a serem desenvolvidas ao longo da vida. Para cumprir essa e outras funções sociais, o Estado é importante. Mas ele deve atuar mais como fomentador do que como fornecedor dos serviços. É aí que as agências do Terceiro Setor ganham um papel específico.

Antes consideradas como refugo para cessão de dinheiro excedente e equipamentos obsoletos, as chamadas organizações não-governamentais (ONGs) sem fins lucrativos não se portam mais como filantropas frias e distantes, mas como incubadoras de novas oportunidades de inovação das relações sociais. Os motivos: a) combinam eficácia nos negócios com estímulo social; b) são uma alternativa para as desvantagens do mercado, associadas à maximização do lucro, e do governo, burocrata e inoperante; c) dão conta do binômio liberal flexibilidade-eficiência e do seu oposto socialista equidade-previsibilidade.

O welfare positivo, portanto, admite o risco da desregulação do mercado de trabalho porque esta é a única forma de gerar riqueza. A Terceira Via, nesse sentido, posta-se como um arsenal teórico-psicológico que tem como diretriz a idéia de “capital humano”, substitutivo da noção de direitos sociais absolutos, que pressupõe o fornecimento direto do sustento econômico pelo Estado. Com a noção de capital humano, temos um projeto político-pedagógico atemporal que tem como objetivo a constituição de um novo sujeito, agente da “portabilidade de capacidade”, pronto para um novo contrato social baseado na autonomia e no desenvolvimento pessoal.

Giddens faz uma ressalva interessante: os mais ricos são os mais “associativos”. Os mais pobres não estão integrados, longe de qualquer envolvimento cívico. É isso que justifica a necessidade dos empreendimentos econômico-sociais, que liderados por jovens líderes empresariais, podem, conjuntamente com os órgãos governamentais, introduzir nas comunidades carentes o chamado “planejamento participativo”. Fundamental para isso é a atividade empresarial-social, principalmente através da educação, pela qual se pode promover o que chama de “redistribuição das possibilidades”. O “welfare positivo”, com base neste “novo sujeito social” e na nova relação Estado / sociedade civil, traz as seguintes promessas: substituição da carência pela autonomia, da doença pela saúde ativa, da ignorância pela educação permanente, da sordidez pelo bem-estar e da ociosidade pela iniciativa.

Empreendedorismo social

Em A terceira via e seus críticos, já citado, Giddens lembra que o welfare foi criado para sustar a ameaça socialista. Num mundo em que não há mais esta ameaça, a Terceira Via surge como a mais sofisticada forma de se frear o ímpeto neoliberal, já que é a única teoria política que conjuga proteção, assistência e liberdade. É, assim, um instrumento de superação dos efeitos perversos do “welfare burocrático”. Assim como fez no livro antecedente (GIDDENS, A. A terceira via: reflexões sobre o impasse político atual e o futuro da social-democracia. RJ: Record, 2000), ele reforça as distinções entre a "velha esquerda" e os neoliberais para precisar melhor a nova alternativa.

Localiza sua base nas propostas dos novos democratas americanos e dos neo-trabalhistas ingleses: uma ação política para um mundo em mudança, no qual as “grandes instituições” não asseguram mais o “contrato social”. Afirma o autor: “O advento de novos mercados globais e a economia do conhecimento, aliados ao fim da Guerra Fria, afetaram a capacidade dos governos nacionais de administrar a vida econômica e proporcionar um leque sempre crescente de benefícios sociais” (GIDDENS, A. Op. Cit., 2001, p. 12). As pedras fundamentais desse “novo progressismo” são: oportunidades iguais, responsabilidade social e mobilização de cidadãos e comunidades. Política pública aqui é sinônimo de incentivo à criação de riqueza e não mais de redistribuição pela burocracia de Estado. Resumo do programa: disciplina fiscal, reforma do sistema de saúde, investimento em educação (e treinamento), obras sociais, renovação urbana e posição firme contra o crime.

Entretanto, na visão de Jeff Faux, por sua amplitude, a Terceira Via apresenta-se como “uma substância intelectual amorfa”. Ela falha em todos os seus propósitos: a) na análise que faz da velha esquerda; b) na perspectiva de se tornar uma base para a reconstrução social-democrata; c) no esforço em se constituir em estratégia plausível para lidar com as questões do pós-guerra Fria. O que ela tem de melhor é o seu caráter de tática eleitoral, apoiada em velhas teses conservadoras que contribuíram para o declínio da legitimidade da ação governamental e o fortalecimento do setor corporativo multinacional.

Ao tentar expandir oportunidades sem tocar na questão da distribuição desigual de riqueza e poder, a Terceira Via não passa de um compromisso político entre esquerda e direita, com predominância da última. Para Stuart Hall, a única coisa que ela tem de radical é a sua afirmação ao centro. Aceita o mundo como tal, corroborando com uma saída para o conflito fora do conflito. Como? Naturaliza a globalização, absorve a crença da auto-regulação do mercado e aceita a substituição do cidadão pelo consumidor.

No que diz respeito diretamente ao papel do Terceiro Setor neste processo, vale considerar que, por ter como base o trabalho voluntário e as doações dos que podem dispor de dinheiro e tempo livre, o empresariamento social, praticado principalmente pela ONGs, desobriga o Estado do financiamento dos recursos que deveriam garantir os direitos do cidadão, agora reduzidos a um mínimo pré-contratual. Ou, no máximo, temos um retorno ao contrato liberal individualista, moldado na idéia do contrato de direito civil entre indivíduos, um instrumento vigente nos períodos iniciais da acumulação de capital. Com isso, temos a destituição da idéia de contrato social entre agregações coletivas de interesses sociais divergentes e o confisco dos direitos de cidadania, processo que nos ameaça como a sombra de um Estado hobbesiano.

E é justamente para amenizar os efeitos perversos deste “novo contrato leonino” que a indústria da mídia cumpre o seu papel de fabricar novelas de esperança e amizade com o intuito de assegurar o efetivo processo de privatização das políticas sociais (saúde, segurança, habitação e educação). Na verdade, o que se pode ver nas entrelinhas da exaltação ao Terceiro Setor é que o seu “sucesso” é um novo recurso de Estado, cujos interesses expressos é a aceitação da desigualdade como natural e, até mesmo, desejável.

Isto porque as ONGS não são vistas como meios de resolução de alguns problemas sociais; meios que deveriam se exaurir ou quando fossem conquistados seus micro-objetivos ou quando não houvesse mais condições estruturais de produção da desigualdade. São tidas como uma nova indústria, um novo “setor” de produção que cria suas próprias condições de perpetuação e sobrevivência. Torna-se não um meio, mas um fim em si mesmo. Um novo campo de empreendedorismo, o lugar do “empresário social”, aquele que lucra com a desgraça alheia a partir de sua perspicácia individual em descobrir novas e eternas necessidades humanas.

Mas, o que fica entre sua exaltação e crítica, dado ao fato de sua existência e proliferação nas últimas décadas?

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